Lilo & Stitch: Um desabafo sobre remakes live-action e a Disney atual
- Fefe Urresti
- 2 de jun.
- 7 min de leitura
Oi, gente, bom dia.
Para esta edição, decidi focar só em um assunto porque de fato está me incomodando muito e em geral me entristece. Recentemente foi lançado nos cinemas o remake em live-action de Lilo & Stitch, e a obra original marcou muito a minha infância. Foi minha primeira obsessão, literalmente a primeira palavra que eu falei na vida foi "Stitch" (pronunciando mais como "Tite"), ele é muito especial para mim. A simples existência de uma versão live-action me ofende.
Vou logo avisando que não tenho intenção de assistir esta versão (só se for por meios "alternativos" para não dar dinheiro para a Disney). "Nossa, Fe, você não está exagerando?" Talvez, mas existem muitas implicações negativas sobre estes remakes.
No começo desta tendência, quando Malévola (2014) foi lançado, era uma proposta bem interessante de contar novas versões dos contos de fadas, mostrar o outro ponto de vista, uma vibe bem Once Upon A Time (2011-2018). A Disney até manteve esta ideia com Cruella (2021), mas de resto foi praticamente um "copia e cola" do roteiro da animação em que se baseavam, com algumas mudanças aqui e ali para deixar mais moderno e estender a duração. Qual é o ponto? Se for para contar a mesmíssima história, fizessem uma remasterização dos filmes originais e botassem nos cinemas de novo. Eu morro de vontade de assistir os filmes clássicos e os filmes do renascimento da Disney no cinema, já que eu não era nascida quando eles passaram aqui no Brasil. Sairia bem mais barato, dava para continuar promovendo merchandising e ia dar um dinheirão. Mas entendo que os engravatados acham mais interessante entregar o velho com cara de novidade, o buzz infelizmente é maior.
Até alguns anos atrás, eu era da opinião de que a Disney estaria produzindo estes filmes em live-action como se esta fosse uma maneira superior de contar histórias em relação à animação. Hoje em dia eu não acredito que este seja o principal motivo, mas definitivamente não ajuda a combater o preconceito que muita gente tem que animação é inerentemente infantil.
Eu acredito muito que algumas histórias são mais bem contadas em mídias específicas. Alguns filmes live-action não fariam tanto sentido se fossem animados, e vice-versa. Penso muito no período de pré-produção do nosso curta de TCC, Ato Final, quando tivemos nosso pré-pitching (resumidamente, uma simulação de rodada de pitching antes da seleção oficial dos projetos a serem produzidos, em que os professores dão feedback), um dos professores de roteiro perguntou para o nosso grupo "por que vocês querem contar essa história em animação? Este roteiro cabe muito bem em live-action". O auditório inteiro cheio de alunos e outros professores de animação reviraram os olhos, afinal de contas estávamos fazendo um bacharelado em animação, lógico que não poderíamos utilizar outra mídia para fazer nosso TCC. Mas ao ignorar o contexto, essa se torna uma pergunta válida. No nosso caso, apesar de ser uma história de detetive com muito diálogo que faria sentido com atores reais, a gente queria brincar com diferentes linguagens visuais através dos flashbacks, o que definitivamente não funcionaria de maneira tão eficaz se fosse live-action. Mesmo se não tivessem os flashbacks homenageando diferentes estilos e eras da história da animação, existe algo de tão charmoso, interessante e visualmente estimulante nos designs caricatos elaborados pelo Vinícius Roman em colaboração com Babi Astolfi e Regina Akiyama que definitivamente foi a melhor escolha contar esta história em animação 2D.
Para não dizer que é preconceito meu com live-action, trago outro exemplo de outra mídia: Omori. Uma criação de Omocat, Omori a princípio foi elaborado como uma webcomic, mas rapidamente ê artista percebeu que a história que queria contar seria melhor em um video game RPG. Realmente, existem diversas rotas e finais diferentes que fazem da história uma experiência única para cada jogador, foi o maior sucesso, só que depois Omori foi adaptado para um mangá. Eu li os primeiros capítulos e concordo com muitas pessoas que perdeu um pouco da magia que fazia a obra original tão interessante. São linguagens diferentes. Então eu sinto o mesmo com a maior parte dos filmes animados da Disney que foram recontados em live-action, especialmente O Rei Leão (que no fim das contas é animação ultrarrealista) e Lilo & Stitch.
Posso não ter lugar de fala para criticar o filme de 2025, mas eu reassisti o original de 2002 alguns dias atrás e confirmo que esta era a melhor maneira de contar a história criada pelo Chris Sanders (codiretor do filme, junto com Dean DeBlois). A sequência inicial de perseguição no espaço depois de ver o trailer do live-action dá uma vontade de ver em 3D realista, pois sinto que poderia ser mais dinâmico do que foi no 2D. Se a Disney tivesse feito uma história nova das aventuras do Stitch no espaço, bem ficção científica, com esta linguagem eu pagava para ver. No entanto, o resto do filme só funciona bem em 2D. A direção de arte é espetacular, é de uma delicadeza imensa, que é o que a história pede. Os designs dos personagens são diversos e incríveis, os cenários em aquarela são lindos de morrer, a animação mesmo que em certos momentos seja imperfeita, dá pra sentir o amor e a dedicação de todas as mãos humanas que colaboraram para este filme acontecer. A mensagem do filme é poderosíssima, sobre a importância da família da nossa vida, e que não precisa ser só de sangue, basta o amor e a fidelidade para sustentar. Realmente Chris Sanders tem um tema e é found family (ele também direcionou Como Treinar o Seu Dragão, junto com Dean DeBlois, e Robô Selvagem).
Infelizmente, pelo que eu vi do trailer do live-action, este charme é completamente perdido. Havaí, um dos lugares mais lindos e coloridos que eu já visitei, representado só tacando um filtro quente (claro que não muito laranja porque não é um cenário no deserto ou na América Latina). Tudo bem sóbrio em comparação à animação.
Todo mundo também comentou dos disfarces sem graça do Peakley e do Jumba, que depois descobrimos que o diretor Dean Fleischer Camp tentou inclui-los, mas os designs foram barrados. Entre estas novas versões, esta foi a que teve um dos menores orçamentos, então realmente poderia ser inviável financeiramente, mas todos sabemos que os engravatados queriam evitar polêmica com um personagem em drag. Outras questões que não sabemos o quanto que foram escolhas do diretor e dos roteiristas ou dos engravatados, mas de reviews que li, Capitão Gantu foi deletado, novos personagens foram acrescentados diluindo motivações e desafios dos personagens já existentes, a história do patinho feio nunca foi mencionada. O tema da obra original foi distorcido, chegando a um final novo bem problemático.
Falando um pouco mais sobre o diretor, ele é conhecido por Marcel the Shell with Shoes On, um lindíssimo filme que mistura stop-motion com live-action. Depois de sua indicação ao Oscar na categoria de Melhor Animação, faz sentido a Disney ter o escolhido como a melhor opção para Lilo & Stitch (2025), já que Stitch continuaria sendo animado e atores precisariam interagir com ele. Tanto é que, pelo trailer, não sinto que Stitch caiu no vale da estranheza, como vários temiam, mas sinto que Camp não teve a chance de brilhar assim como brilhou no longa do Marcel e nos curtas, disponíveis em seu canal do YouTube. No entanto, comparando o final de ambos os longas, demonstra a visão do diretor sobre temas semelhantes. Apesar da conclusão da jornada do Marcel funcionar bem, não acredito que faça muito sentido com o arco da Lilo e sua irmã Nani.
Fiquei pensando também muito na opinião do Chris Sanders sobre esta produção. Lembrei de uma notícia em que o filho de um dos diretores do Branca de Neve e os Sete Anões (1937) disse que era uma falta de respeito com a obra original e que David Hand e Walt Disney estariam extremamente descontentes. Realmente o próprio Walt Disney prezava muito mais histórias originais a continuações, então eu tenho certeza de que ele está se revirando no túmulo pela falta de filmes verdadeiramente novos. Mas pelo jeito não é o caso aqui. Sanders volta para fazer a voz original do Stitch mais uma vez e, como ele declarou ao The Independent, sua única preocupação era quanto ao tamanho do alienígena.
Saindo um pouco de Lilo & Stitch para falar sobre a outra obra de Sanders, Como Treinar o Seu Dragão também vai ter um remake live-action lançado em julho deste ano. Outro filme que também tenho um apego emocional gigantesco e me enfurece sua existência. Diferente de Lilo & Stitch em que eu já perdi toda minha fé que eu tinha na Disney, eu me senti muito traída. Primeiro, esta versão está sendo produzida pela própria DreamWorks, uma produtora que constantemente foi anti-Disney, agora se rebaixando neste nível sem necessidade. Segundo, quando vi o trailer, achei ridículo e esquisitíssimo que era uma cópia frame a frame da animação, e foi então que descobri que quem está direcionando é ele próprio, Dean DeBlois. Será que ele não se importa mesmo? Por que ele está refazendo o próprio filme em live-action? Fiquei possessa quando no trailer diz que "a história ganha vida" como se a animação 3D tivesse menos vida do que o Banguela 3D do live-action. A frase dá a entender que a animação é inferior à esta nova versão. Com todo o respeito, Deus me livre eu, junto com meus colegas de direção, produzir um Ato Final em live-action. Acho que nem bilhões de dólares poderiam me convencer.
No fim das contas, é tudo sobre dinheiro. A Disney já tem tanto, nem precisaria fazer esses remakes, jogando sujo com a nostalgia. Já que ela se recusa a fazer animações novas de qualidade, podia usar este dinheiro para, por exemplo, salvar o meio ambiente, ao invés de produzir mais e mais lixo. Aliás, com estes orçamentos bilionários, daria para fazer vários longas em 2D. Só ver o caso do Dia Em que a Terra Explodiu (2025), com o orçamento tão baixo que não valia a pena para a Warner Bros jogar fora para conseguir o tax write-off, só por isso que conseguiu ser lançado .
Sei que não faço mais parte do público-alvo mais geral, mas este assunto me enfurece. É um desrespeito com os artistas da animação, que lutam tanto para se provar como cinema e obras de arte. Então me desculpem o baixo astral desta edição, prometo que para o post de julho vou estar de excelente humor com o lançamento dos capítulos 3 e 4 de Deltarune.
Não apoiem estes remakes, vão assistir animações de estúdios menores e especialmente produções brasileiras. Beijos.
OLDDDDDD
e ainda teve ato final mencionado 💅🏻